sexta-feira, janeiro 13, 2006

sinto-me com uma sensibilidade diferente... algo estranho, e de certa forma incómodo...

ontem andava no meio das minhas leituras, e uma passagem do livro captou a minha atenção de tal forma que a re-li duas vezes...


Robert Jordan estava deitado no seu saco de campanha, no chão da floresta. Estava abrigado pelos rochedos, perto da entrada da gruta. Estava abrigado pelos rochedos, perto da entrada da gruta. Dormindo voltou-se e, ao fazê-lo, deitou-se sobre a pistola que trazia presa ao pulso por uma correia. Tinha colocado a arma perto dele, sobre a cobertura, quando se tinha deitado para dormir, com os ombros, o tronco e as pernas tão pesadas e os músculos tão tensos que a terra lhe parecia mole. Antes de se enrolar no saco forrado de flanela, tinha experimentado uma espécie de voluptusiodade filha da fadiga. Teve, ao acordar, a impressão de ter dormido pouco tempo; perguntou-se onde estava, compreendeu, depois retirou a pistola e dispôs-se com prazer a mergulhar no sono, a mão sobre o rolo formado pelas suas roupas enroladas em volta das alparcatas, o outro braço também agarrado ao travesseiro improvisado.

Foi quando sentiu uma pressão sobre o ombro, que o fez voltar-se vivamente, já com a mão no cabo da pistola.

– Oh, és tu! – exclamou largando a arma. E estendendo os braços atraiu-a para si. Sentiu-a estremecer.

– Entra neste ninho – murmurou carinhoso. - Aí fora está muito frio.

– Não, Não posso.

– Entra. Discutiremos depois.

Ela tremia, presa pelo pulso, e ele puxava-a. Ela voltou a cabeça.

– Entra coelhinha – e, fazendo-a baixar, beijo-a na nuca.

– Tenho medo.

– Não há que ter medo. Entra.

– Como?

– Mete-te neste saco. Há lugar para dois. Queres que te ajude?

– Não – respondeu Maria. Meteu-se dentro do saco, ele abraçou-a, apertou-a contra o seu corpo e procurou beijá-la nos lábios; ela meteu a cabeça no rolo da roupa que servia de travesseiro, mas tinha os braços passados em redor dos seu pescoço e tinha-o apertado. Depois sentiu os braços afrouxarem-se e ela estremeceu.

– Não – disse ele rindo. – Não tenhas medo. É a pistola.

E afastou a arma que se interpusera entre os dois.

– Tenho vergonha – disse ela virando o rosto.

– Não. Não há motivo, aqui, agora.

– Não posso. Estou com vergonha e com medo.

– Não coelhinha. Vamos.

– Não. Se tu não me amas...

– Amo-te.

– Eu sim, estou cheia de amor. Põe a tua mão na minha cabeça – disse ela, sempre com o rosto metido no travesseiro. Jordan passou-lhe a mão sobre a cabeça e acariciou-a. De súbito o rosto de Maria deixou o travesseiro. Encontravam-se apertados um contra o outro, rosto contra rosto. Ela chorava.

Jordan manteve-a imóvel, sentido o contacto daquele corpo esguio apertado contra o seu. Acariciou-lhe a cabeça e beijou o sal húmido dos seus olhos e enquanto ela choravasentiu os seios redondos e de bicos firmes tocarem-no através da camisa que ela trazia vestida.

– Não posso beijar, não sei – murmurou Maria.

– Não é preciso beijar.

– Sim. Preciso de beijar. Preciso de fazer tudo.

– Não é preciso fazer nada. Estamos muito bem assim, mas tu trazes muita roupa.

– Que devo fazer?

– Vou-te ajudar.

– Achas que assim está melhor?

– Claro, muito melhor. Não é melhor para ti também?

– Sim. Muito mais. E irei contigo, como disse a Pilar?

– Sim.

– Mas não quero ficar em nenhum lar . Quero andar contigo.

– Vais ficar num lar.

– Não, não. Contigo e serei tua mulher.

Estavam ambos deitados, e tudo o que antes estava oculto, desvendou-se. Em vez da aspereza das roupas, a doce pressão firme e redonda, a longa frescura calorosa, fresca na superfície e quente no interior, juntas; solitária doçura que tudo invadia, criando felicidade, jovem, amorosa e que se torna a seguir uma doçura que queimava e uma solidão devorante, dolorosa, tão pungente que Robert Jordan não pode mais e perguntou:

– Já amaste alguém?

– Nunca.

E subitamente ficou como morta nos seus braços para acrescentar que lhe tinham feito coisas.

– Quem?

– Vários – e quedou-se imóvel, afastando o rosto dele. – Agora vais deixar de amar-me.

– Amo-te, sim, Maria – disse o rapaz, mas qualquer coisa tinha mudado nele e ela percebeu-o.

– Não! – murmurou Maria em tom dorido. –Não me amarás nunca, mas talvez queiras levar-me para um lar. Eu irei e nunca serei a tua mulher, nem nada...

– Amo-te, sim, Maria.

– Não, não é verdade. – E depois, como um último apelo de esperança: – mas eu nunca beijei nenhum homem.

– Beija-me então agora.

– Eu bem queria. Mas não sei. Quando me fizeram coisas, lutei até perder os sentidos. Lutei até... até... até que um deles se sentou em cima da minha cabeça... e eu mordi-o... e então amordaçaram-me e prenderam-me os braços atrás da cabeça... e outros abusaram de mim.

– Eu amo-te, Maria – repetiu Jordan – e ninguém te nada, ninguém te atingiu, ninguém tocou a minha coelhinha.

– Falas a sério?

– Como nunca.

– E podes amar-me ainda? – sussurrou Maria aconchegando-se a ele.

– E mais ainda.

– Vou tentar beijar-te muito bem.

– Beija-me então.

– Não sei.

– Beija-me simplesmente.

Ela beijou-o na face.

– Não.

– O que se faz ao nariz? Sempre me perguntei o que se faria ao nariz?

– Olha, vira um pouco a cabeça. – E as suas bocas juntaram-se. Ela estava unida a ele e a boca entreabriu-se pouco a pouco. E, de súbito, tendo a rapariga apertada contra ele, sentiu-se mais feliz que nunca, com uma felicidade interior ligeira, amorosa, exaltada e sem pensamentos, e sem fadigas sem cuidados, tudo delícias e ele murmurou: – minha coelhinha. Minha querida. Minha doce amada.

– Que dizes tu? – perguntou-lhe ela, como se estivesse muito longe.

– Minha amada – murmurou ele.

Estavam deitados, estreitamente apertados, sentido os corações bater, e com a ponta dos pés ele acariciou-lhe os pés.

– Tu vieste descalças.

– Sim.

– Então sabias que ias deitar-te comigo.

– Sim.

– E não tinhas medo?

– Sim. Muito. Mas mais medo tinha de não saber como tirar as alparcatas.

– E que horas são agora? lo sabes?

– Não. Tu não tens relógio?

– Sim, mas está atrás de ti.

– Puxa o braço.

– Não.

– Então espreita por cima do meu ombro.

Era uma hora. O quadrante luminoso brilhava na sombra do saco de campanha.

– A tua barba está a arranhar-me o ombro.

– Desculpa, mas não tenho nada com que fazer a barba.

– Gosto disso. A tua barba é loura?

– É.

– E vais deixá-la crescer?

– Crescerá até eu resolver o caso da ponte. Maria, ouve. Tu...

– O quê?

– Tu queres?

– Sim. Quero tudo. É a maneira de fazer desaparecer os outros da minha lembrança.

– Já pensaste niso?

– Não. Só agora o sei, apesar de ela já me ter falado nisso.

– É muito sabida, aquela Pilar!

– Outra coisa – sussurrou Maria baixinho. – Ela disse-me par ate dizer que não estou doente. Ela sabe todas essas coisas.

– Também te mandou dizer isso?

– Nós conversámos e eu confessei o meu amor. Amei-te desde o momento em que te vi entrar. Amei-te mesmo antes de te ter visto. Contei tudo à Pilar e ela mandou-me dizer-te o que te disse. Sobre a outra coisa nós já tinhamos falado antes.

– E que disse ela?

– Disse que nada atinge a gente, quando a gente não aceita. E que se eu um dia amasse alguém, o amor faria desaparecer tudo. Ah, eu até me quis matar, sabes?

– O que a Pilar te disse é pura verdade.

– E agora sinto-me feliz por não ter morrido! Estou tão contente por não ter morrido! Então podes amar-me?

– Sim. Eu amo-te Maria.

– E posso ser a tua mulher?

– Com a vida que levo não posso ter mulher. Mas tu agora és a minha mulher.

– Se sou uma vez, então sê-lo-ei para sempre. Sou a tua mulher agora?

– Sim, Maria. Sim, minha adorada coelhinha.

Jordan enlaçou-a e procurou-lhe os lábios e os corpos colaram-se, macios, frescos, jovens.

– E agora andemos depressa. O que tem de ser feito, seja feito já.

– Queres mesmo?

– Sim – afirmou Maria, em tom enérgico. – Sim, sim, sim.



bem... a atenção que prestei a este capitulo do livro recordou-me de um pequeno episódio, e de uma pequena conversa que se deu à pouco mais de um mês.

estava com um amigo de longa data, e subiamos a rua da Prata no seu carro. Sentia-me deslumbrado com a beleza das luzes natalícias. Os jogos de cores, a diversidade de padrões dispersos pelas várias ruas, o deslumbramento da noite, o amor pela baixa lisboeta fluiram e comentei: "isto é está tão lindo..."

o meu colega ficou boquiaberto... "meu... tu não eras assim" comentou quase escandalizado. "se fosse há uns tempos atrás tinhas comentado: que desperdicio de dinheiro, ou uma merda do género. o que se passa contigo?"

concordei. de alguma forma estou transformado, e mais sensível à beleza subtil que se encontra na maravilhas do mundo. a minha atenção a certas partes do texto prova isso...

e novamente o texto me prendeu...


Maria andava boa agora. Ou parecia. Mas ele não era psiquiatra. O psiquiatra era Pilar. Sm dúvida que o terem dormido na noite passada juntos tinha feito bem aos dois. Para ele fora um bem. Sentia-se muito bem. São, bom, repousado e feliz. A situação apresentava-se terrível, mas tudo ía correr pelo melhor. Já tinha estado metido noutros sarilhos que também tinham começado mal. Começar... Ia pensando em espanhol. Maria era encantadora.

Olha para ela, disse-se. Contempla-a.

E vi-a caminhar alegremente ao sol, com a camisa de caqui desabotoada no pescoço. Caminha como um potro, pensou Jordan. Nunca encontrei ninguém assim. Essas coisas não acontecem na realidade. Mas talvez esteja a sonhar ou talvez me deixe arrastar pela imaginação, pensava ele, e nada tenha acontecido. Lembrava-se de se ter encontrado, em sonhos, na cama, acompanhado de actrizes de cinema que lhe prodigalizavam carícias. Tinha-as possuído a todas e lembrava-se ainda de Garbo e de Harlow. Sim, Harlow tive-a muitas vezes. Talvez ainda sonhasse.

Jordan ainda se lembrava da noite em que Greta Garbo veio para a sua cama, na noite que antecedera o ataque de Pozoblanco; trazia uma macia camisola tecida com uma lã doce e sedosa. Quando ele a abraçava e ela se inclinava sentia os cabelos acariciarem-lhe o rosto. E ela perguntou-lhe porque não confessara que a amava, a ela que o amava há tanto tempo. E ela não parecia nem tímida, nem distante, nem reservada. Era a Garbo dos diasde John Gilbert, boa e meiga e era estranho tê-la abraçada contra ele. Era tão verdadeiro como se tivesse acontecido, e amou-a mais que à Harloe embora fosse uma vez só enquanto a Harlow... e talvez o presente não passasse também de um sonho.

Mas talvez não seja, repetiu-se. Talvez Maria seja realidade e possa estender a mão e tocá-la. Ousarias fazê-lo? Perguntou-se. Talvez te desses conta de que nunca aconteceu nada e de que tudo é produto da tua imaginação, como os teus sonhos onde as actrizes de cinema, amigas velhas, vinham deitar-se no teu saco de campanha, por terra, na palha das eiras, nos estábulos, nos corrales e cortijos, nos bosques, nas garagens, nos camiões e em todas as montanhas de Espanha. Vinham todas meter-se no saco de campanha, durante o seu sono e todas eram mais gentis do que poderiam ser na realidade. Talvez tenhas medo de tocar em Maria e verificar que é realidade, repetia-se ele. Mas sim, tu tens medo: sonho, imaginação, irrealidade.

Jordan adiantou-se e pousou a mão no braço da rapariga. sentiu sob os ded0s a macieza da carne debaixo do pano da blusa. Maria encarou-o e sorriu.

– Olá! Maria! – saudou ele.

– Olá, Inglês – respondeu a rapariga, e Jordan absorveu a rapariga, aquele rosto de um moreno tostado e o cinzento amarelado dos seus olhos, os lábios cheios que sorriam e os cabelos curtos queimados pelo sol. Ela levantou a cabeça e sorriu-lhe. Tudo era uma doce realidade.



uma coisa me deixa minimamente descansado. a conotação sexual que encontro nos textos permite-me assegurar que não mudei tanto assim, e que ainda consigo dar importância a certas banalidades...


Então surgiu o odor da erva esmagada. Maria sentiu a aspereza dos talos dobrados sob a cabeça e o sol brilhando sobre os seus olhos fechados. E ele levaria toda a vida a recordar-se de Maria com a garganta tombada entre as raízes das urzes, a curva da garganta e os lábios que fremiam ligeiramente e o palpitar dos cílios sobre os olhos fechados contra o sol, contra tudo. Para ela só havia vermelho, laranja, o ouro vermelho do sol sobre os seus olhos fechados, e tudo era da mesma cor, tudo brilhava no mesmo tom. Para ele foi um caminho sombrio que não levava a nada, sempre a nada, ainda e sempre a nada, e outra vez a nada, sem fim, sem nunca a nada. Apoiado sobre os cotovelos para nada, caminho sombrio e sem fim, suspenso todo o tempo sobre um nada sem solução, esta vez e outra vez ainda, sempre para nada, entretanto, ah! não poder renascer outra vez para nada e entretanto, para além de tudo o que se pode suportar, mais alto, mais alto, mais alto e para nada. De súbito, deslumbramento, beatitude, tudo o que era sombrio e negativo desapareceu, o tempo absolutamente imóvel; estavam os dois juntos, o tempo suspenso e sentia a terra estremecer e esvair-se sob os seus corpos.



...livros?? nada que uma boa noitada não cure.

falando mais a sério: recomendo vivamente a leitura da obra de onde retirei os textos... ofereço um bombom para quem descobrir qual é... e uns pequenos momentos de felicidade para quem a ler na integra.

3 comentários:

Anónimo disse...

Já há algum tempo que ando para vir comentar alguma coisa, mas como já te tinha dito, andava sem paciência para tal. Mas hoje, enquanto esperava por algo, resolvi dar uma espreitadela e, apesar do texto ser bastante extenso, não hesitei em lê-lo.

Em relação ao bombom, ficas-me a dever um, já que o livro se chama "For whom the bell tolls" (Por quem os Sinos Dobram) do Hemingway!!! Eheheheh Uma pessoa quando quer consegue tudo, mas é preciso querer muito! :P

Não te conheço o suficiente para te achar uma pessoa com uma visão mais materialista que sentimentalista. Mas pelos vistos essa tua ex-forma de saber o preço de tudo, mas não dar o valor suficiente vem se opor à tua nova visão sentimentalista, que dá valor a tudo e simplesmente deseja ter o luxo de uma emoção sem ter que pagar por isso.

Por incrível que pareça tu andas ao contrário da maioria, pois cada vez mais se contacta o inverso. Hoje em dia, o ser humano é mais tedioso, menos sentimentalista e mais materialista, é triste mas é verdade. Dou-te os meus sinceros parabéns por seres uma excepção.

Anónimo disse...

Toda esta sensibilidade, deve ter uma explicação! Estás apaixonado, pela vida, por ti próprio ou por alguém...?!

Anónimo disse...

Paixão. Amor.
"Onde acaba o romantismo e começa o Amor de verdade? Para quê as músicas lentas se os corações têm vontade de correr?"
Para assuntos do coração recomendo vivamente: www.estranhoamor.blogspot.com

Este também não está nada mal...

:)

**m*