terça-feira, janeiro 20, 2009

Quando pela primeira vez encontramos alguém que até então desconhecia-mos, cruzamos o olhar, medimos a pessoa, verificamos a altura, especulamos o peso, apreciamos a cor do cabelo, a cor dos olhos, a forma de andar, os tiques, os maneirismos, as roupagens, julgamos as palavras pela sua cadência, pelo conteúdo, pelo contexto. Efectuamos uma inspecção visual e social, influenciada por estereótipos e preconceitos, e criamos um primeiro esboço daquela personalidade.

sábado, janeiro 17, 2009

Meia hora passou e ambiente o perdeu quaisquer traços urbanos. Nem casas, nem ruínas, apenas o verde escondia as pedras caídas da montanha, e o caminho de terra castanha. Estou com fome e com sede, disse o camisola amarela, Já não tens bolachas? perguntou o casaco azul, Não, durante a viagem, entre as conversas e as cartadas, foram todas. O grupo parou. Entreolharam-se em silêncio e num movimento continuo retiraram as mochilas e começaram a remexer entre os sacos. Apareceram três maçãs, uma banana, um pequeno pacote de leite, mais algumas bolachas. É o que temos para hoje, Pois, estavamos a contar fazer compras na aldeia, Sim, ali pelos vistos ninguém vende nada, e nem sorrisos oferecem a quem passa. Algum desconforto e inquietude começou a ser visível nos esgares que se lançavam para o ar. Paciência, temos de seguir caminho, ir em frente, e na próxima paragem fazemos compras, São mais vinte quilómetros!, Tantos?, E não trouxemos comida nas mochilas porquê?, Uma aldeia com comboio devia ter um supermercado, Devia mas não tem, nem a estação tem um cafezinho ou uma pasteleria, Estação? Qual estação? Aquilo não passa de um apeadeiro no meio de uma aldeia, Qual apeadeiro? Aquilo não é nenhum apeadeiro e muito menos aquela terreola uma aldeia! Não passa dum lugarejo onde os comboios param para os maquinitas mandarem uma mijinha no mato com umas casinhas à volta a marcar o local, Pois, paciência, vamos é andando que a conversa não nos fará chegar mais cedo, Sim, só queria beber um pouco de água antes de começar a caminhar. Epa, o meu cantil está vazio algum de vocês têm um pouco de água que me possam dispensar?. Novamente os olhares se arregalaram e cruzaram. Chocalharam-se cantis e franziram-se sobrolhos. Porreiro, nem comida nem água, vai ser bonito vai, Voltamos à cidade?, Para quê, ainda pensam que somos gatunos ou malfeitores, Isso era no século passado, esta gente já não pensa assim!, Se estás certo disso então voltemos atrás. Após um curto silêncio o camisola amarela colocou a mochila às costas: Que se foda, para a frente é que é caminho. Existirão com certeza fontes ou ribeiros mais à frente. A mochila vermelha começou a mover-se, as outras mochilas seguiram atrás.

sexta-feira, janeiro 16, 2009

O comboio chegou à cidade encrustrada nas montanhas dois minutos antes do que estava previsto no horário. Dentro da carruagem ainda quente colocámos as mochilas às costas, ajeitando as presilhas para melhor equilibrar o peso. A nossa carga sobrava acima da nossa cabeça, mas a tua mochila vermelha mal se notava, pequena, mirrada e ainda assim espaçosa, quase vazia como no teu primeiro dia de escola.

Nós estavamos excessivamente acasados: escondiamo-nos do frio em bunkers caqui de fibra e lã, mas tu vestias uns calções um pouco mais escuros que a tua mochila e uma camisola de alças amarela, que tinhas comprado nas férias do verão anterior. Durante a viagem a roupagem que cada um trazia ou não trazia, usava ou não usava, vestiria ou não vestiria, que iria carregar, que iria usar, que se arrependeria de ter deixado em casa havia sido um assunto recorrente e desgastado. Nessas conversas os espiritos haviam até se haviam exaltado, com dois jantares apostados em meio da confusão.

Ao sair do comboio a frescura da montanha gelou ossos e arrepiou espinhas. Isto não era para ser este gelo!; Já sabias que vinhas para aqui. Sim, mas não disseste que estaria tanto frio, senão tinha vindo um pouco mais preparado! Oh que porra, falamos nisso durante semanas. E isto são montanhas, já sabias que seria bastante mais frescas que a cidade. Frescas sim, gelo não! A tua face torcia-se com o desconforto e o descontentamento. Mas não importa. Assim que começarmos a andar o calor mata o desconforto!

Saimos da estação. A aldeia era pequenissima, e parecia quase abandonada àquela hora. Existiam poucas casas, e nenhuma tinha mais do que dois pisos. Na rua, além do nosso grupo, só outras três almas desafiavam o frio, bastante encasacadas e desconfiados de estrangeiros.