quinta-feira, fevereiro 07, 2013


"A china é um pais agrícola, e as gentes que formam os seus alicerces vivem do produto da terra. Talvez no meu próprio país, a América, onde a máquina é tão fundamental como o solo, o trabalhador seja tão necessário como o camponês. Talvez se sinta tão ligado à máquina como este à terra. Penso muito sobre isto todas as vezes que me encontro junto de uma máquina, em qualquer fábrica. Vejo a imensa complexidade do aço e o pequeno operário que a controla. Poderá ele exprimir-se a sim próprio através dessa máquina? Será o produto da maquina também um produto de si mesmo? Se o é, haverá nesse produto o mesmo sentido que existe na colheita que um camponês retira da terra? Será necessário que o homem possua a máquina antes mesmo de ter completado o processo espiritualmente, ou o mero ato de usá-la para a produção satisfaz as suas necessidades, tanto espirituais como corporais?

No que se refere à máquina não tenho resposta para tais perguntas, pois, para mim, ela continua a ser uma coisa estranha e, por mais que queira, ainda não me convenci de que o homem é o seu senhor absoluto. A máquina não lhe dá paz. Tem de vigiá-la a cada momento, acorrendo às vezes para corrigir um erro que ela fez, outras vezes para alimentá-la com óleo e água; e não pode descuidar-se, tem de tirar o produto da máquina no momento exato, pois de contrário este pode ser destruído pela estupidez da mesma, que ignora quando o seu dever foi cumprido e terminou a sua própria criação. Não há tempo de entender a máquina, porque tem de ser observada continuamente. Quando, enfim, ela para, o homem encontra-se mais exausto do que em paz.

O mesmo não acontece com o homem que trabalha a terra. Embora em algumas horas ele seja forçado a trabalhar intensamente para precaver-se contra a tempestade e a desgraça; embora às vezes tenha de se apressar para semear a terra ou colher o grão maduro, mesmo assim há longas horas ao longo das quais se cultiva vagarosamente o seu campo, planta, rega, e enriquece o solo. Se se sente cansado, para quando quer para dormir, beber, comer ou ate mesmo admirara a alvorada, o por do Sol ou o nascer da Lua.  As horas são longas mas cheias de paz. Ao fim do dia ele sente-se cansado, mas não dominado. É o seu próprio senhor, mesmo quando a terra lhe nega os seus frutos e o obriga a abandoná-la por algum tempo.

Tais são as coisas boas da terra, e os homens e as mulheres que nela vivem são uma gente boa. Os maus são poucos e esses não são verdadeiros camponeses, mas sim aqueles que fogem da terra e vivem à custa dos outros, mediante qualquer processo. São os parasitas, como tal, não passam de seres desprezíveis. Não enganam a ninguém senão a sim próprios. Os bons toleram-nos por algum tempo, pois a bondade significa inevitavelmente paciência e compaixão. Contudo, a retidão e a justiça, que também são atributos da bondade, exigem que os maus sejam expulsos."

"Terra Bendita", prefácio da autora (1949), Pearl S. Buck
tradução Fernando de Macedo, edição "Livros do Brasil"