terça-feira, junho 16, 2009

O calor do ar húmido tornava-o tangível e conforme esbracejava, para me refrescar com pequenas lufadas de ar e afastar o lençol para o mais longe possível, sentia-me a nadar pelo etéreo. A noite estava tão escura quanto quente, mas a pouca luz que entrava pelas frestas da persiana aclarava o quarto com a mesma intensidade que sol do meio dia.

"E agora, qual é o caminho?", perguntou-me a rapariga vestida com uma camisa de manga curta branca, calças de ganga azul escuras, cinto de couro e punhos apoiados na bacia. Não fiquei surpreendido pela sua súbita aparição, ou com a calçada de granito cinzento ladeado por um passeio de calcário branco que se materializou sob o alcatifado do quarto. O entorpecimento deixava-me aceitar aquele acontecimento como algo natural, uma continuação do sonho que estava a ter. Como disse, não fiquei surpreendido com aquela aparição espectral, nem com o desaparecimento do tecto e das paredes, ou com a minha impavidez de observador sentado em posição de lótus na cama de lençóis que condiziam com o meu pijama azul marinho, nem com a freneticidade que as nuvens percorriam o céu vazio de astros. Nem tão pouco quando reparei que o cabelo escorrido, alaranjado, pastoso, baço, mas bem cortado, alinhado pelos ombros, escondia uma cara enrugada, seca, negra, mirrada como o miolo de uma noz bichada. A minha boca ficou aberta estarrecida sem palavras congelada quando, ao meu lado, uma mulata respondeu à pergunta que eu não tinha intenção nenhuma de responder. Era uma jovem bastante bonita. Vestia umas calças pretas, uma camisola colorida com pinceladas de branco, azul, e vermelho, e tinha umas botas de coro. O cabelo encaracolado, escuro mas brilhante, pendia livre pelos ombros, sem carrapitos ou adereços. Tinha um perfil nubio, e a uma pele de chocolate belga que realçava a sua beleza de Deusa africana. "Um caminho não está escolhido, mesmo que diante de nós se estenda uma só opção!". A convicção da minha advogada de ébano proferiu surpreendeu-me, pois não representava qualquer das minhas ideias: eu estava bloqueado na sua beleza, e as minhas divagações não eram sublimes nem banais, mas primitavemente obscuras e carnais.

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