segunda-feira, março 26, 2007

Na sala quadrada e escura a bola descreve a sua trajectória vezes e vezes sem conta. É lançada, bate na parede, toca no chão, regressa à mão. Uma vez. Duas vezes. Vezes e vezes sem conta. Na parede, sempre que a bola bate, um rombo se abre, cada vez maior, cada vez mais escancarado para o passado. Uma janela de caixilhos verdes escancara-se na parede antes fechada, e o perfume das laranjeiras carregadas com fruto verde desintoxica o ar viciado. As cortinas azuis e transparentes esvoaçam desafiando a trajectória da bola. Lá fora, colinas brancas salpicam-se de ovelhas verdes que saltitam como pulgas. Primeiro longe, à sombra das laranjeiras, onde se empoleiram para roubar folhas e frutos, depois mais perto, abaixo do peitoril. Duas apercebem-se da fissura que dá para uma sala escura, gritam, berram, esperneiam, e todas fogem para dentro do ribeiro azul que corta as colinas. Todas mergulham, os elementos exaltam-se, e uma lufada de raiva invisível fecha as portadas, rouba a janela e mergulha novamente a sala em melancolia. A parede, a bola, o chão permanecem constantes: a bola é lançada, bate na parede, toca no chão, regressa à mão. Vezes e vezes sem conta é presa e liberta, salta, bate, toca, marca compasso como tarola, pêndulo de relógio suíço onde o tempo é contabilizado e libertado para um mundo onde é esquecido.

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