quinta-feira, outubro 12, 2006

No meio do charco, reinando incontestado sobre os nenúfares, um sapo grande, velho, verde, pachorrento, coaxa uma melancolia que ribombava entre as águas estagnadas. Em baixo, na realidade submersa, ocupados a sobreviver aos primeiros estágios da sua condição batráquida, os girinos nadam e escondem-se, brincando entre as carícias da luz solar e a protecção das frias águas escuras. Os pequenos, na sua fragilidade e inocência, mantêm-se prudentemente afastados do solitário senhor da superfície.

Entre os sapos adultos são raros os que permanecem no sapal, e mais raros são os que ficam até tão avançada idade. Normalmente, quando jovens e saltitantes, o verde lustroso da sua pele e a alegria cativante do seu canto seduz uma bela Princesa que procura o seu príncipe, e recebendo um osculo repenicado, zás-trás-pás, ficam humanos para o resto das suas vidas. Quando não têm sucesso, e nenhuma princesa responde às suas serenatas incessantes, desencantam-se, perdem-se dos seus sonhos, e gradualmente silenciam a mágoa da solidão afastando-se cada vez mais das águas encantadas, até se perderem para sempre do príncipe que existe no sapo. Assim costumam ser os destinos. Amar e ser amado, ou partir sem olhar para trás. Nunca ficar. Ou quase nunca. Por essa razão era este sábado tão peculiar, especialmente aos olhos dos efémeros girinos. Olhavam e admiravam aquela figura solitária que desde sempre e para sempre projectava a sua silhueta e a voz por entre as àguas. Muito por respeito, e mais ainda por receio, evitavam abeirar-se do trono de folhas reclamado por tão magestosa e imponente criatura.

1 comentário:

Anónimo disse...

Sapo.