O Natal, como há 200 anos
Paula Isabel Santos
«Estava terrivelmente frio. Nevava e tinha começado a fazer noite escura. Era também a última noite do ano, véspera de ano novo. Naquele frio e naquela escuridão, caminhava pela rua uma rapariguinha pobre de cabeça descoberta e pés descalços. Num avental velho levava uma quantidade de fósforos e na mão um molho deles. Ninguém lhe comprara nenhuns todo o dia, ninguém lhe dera um pequeno xelim! Com fome e gelada caminhava, e tão infeliz a pobrezinha (...) De todas as janelas brilhavam luzes e cheirava muito bem a assado de ganso ai na rua.»
Assim começa a história «A rapariguinha dos fósforos», de Hans Christian Andersen, de quem se comemorou este ano o bicentenário do seu nascimento.
Esta história, com quase 200 anos mostra-nos uma sociedade de consumo, de reboliço e de afazeres, preocupada em realizar com pompa e circunstância a festa de passagem de ano, numa época natalícia.
Mas é esta mesma sociedade que deixa morrer de frio e de fome uma pobre menina. « ... A rapariguinha com as faces vermelhas e um sorriso na boca... Morta enregelada na ultima noite do velho ano.»
Havia queimado os fósforos para se aquecer, mas a sua efémera chama mais não fez mais do que acelerar um momento de alucinação através do qual a menina vê a avô, e vê o paraíso.
Talvez esta história, volvidos que foram todos os avanços da medicina, volvida que foi a revolução informática, continue a ser real, poderia ter sido contada ontem , hoje ou amanhã.
Numa altura em que a preocupação com a abundância é grande, sobretudo nas vésperas de natal, onde uma farta fatia da sociedade sacia a vista e empanturra os sacos de presentes e de comida, dentro dos centros comerciais, sem saber muito bem porque... talvez por ser Natal... e outros, do lado de fora dos mesmos, esvaziam mais uma vez o olhar de esperanças, sabendo muito bem porquê.
Talvez a sociedade alucine, tal como alucinou a jovem menina, perante o sofrimento de fome, medo, solidão e frio, a sociedade alucina com cartões de crédito e muitos embrulhos, muitos sacos.
Mas qual será de verdade o verdadeiro espirito de Natal?
Será que a sociedade hoje, é capaz de agir e reagir de modo diferente da sociedade de há 200 anos atrás? Ou será que se trocaram apenas os cenários? A rapariguinha dos fósforos de Hans Christian Andersen morreu enregelada no cantinho de uma rua, na noite de passagem de ano, perante o olhar vazio (sobretudo de coragem e determinação) da sociedade. Hoje, não neva, mas morrem e agonizam nos cantos de algumas casas, meninas e meninos vitimas não só de abandono, mas de maus tratos. Vítimas do que de pior existe no homem: maldade pura de alguns e passividade de outros.
24-12-2005 18:24:25
1 comentário:
apesar do que tu dizes, que está correcto se considerarmos alguns casos, a maioria das pessoas liberta-se dos pesos do quotidiano na época natalícia e abre o coração em favor dos mais necessitados!mas é sempre válido chamar a atenção dos que não o fazem porque afinal de contas nós não somos nada e a nossa vida é em vão se vivermos cegos em relação á sociedade que nos rodeia!!!
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